quarta-feira, fevereiro 21, 2007

EU ESTIVE LÁ!

(Em vez de descanso, ensinar crianças a ler e a escrever)

O texto, que a seguir transcrevo, (tal como a imagem acima) consta do livro ELEFANTE DUNDUM, da autoria de João Luiz Mendes Paulo e dispensa quaisquer considerações adicionais.

"A Companhia de Cavalaria 570 foi um caso único, nos treze anos de guerra no Ultramar. Depois do início dos ataques, foi-lhe atribuída uma zona de acção do tamanho do Algarve, onde se infiltrou um grupo inimigo, comandado por Rui Alberto Mutumula, com a missão de tentar sublevar a Zambézia e ali abrir uma nova frente. Devido às anteriores acções, contacto com populações, acção psicológica e patrulhamentos, o grupo IN não só não conseguiu o apoio das populações, adesão em massa, alimentação e informações, como teve de mudar constantemente de acampamento para não ser localizado. Durante seis meses foi um jogo do gato e do rato: sós, numa zona enorme, um grupo IN e uma companhia de Cavalaria... Até que o grupo de guerrilheiros foi localizado, posto em fuga e capturados todos os meios, do armamento às granadas e explosivos, das bandeiras da FRELIMO aos cartões do partido, relações das populações a aliciar, dinheiro e fotografias do grupo e - com imenso interesse - um «diário de guerra» onde se descreviam as acções feitas e emboscadas que nos fizeram sem disparar «... porque iam todos atentos e com a arma pronta a fazer fogo»...!

Caso único porque mais ninguém entrou no jogo - era a mata, os guerrilheiros e a 570. E caso único porque aqui a paz ganhou à guerra - as acções de paz foram muito mais importantes que a acção militar e perduraram no tempo; até à independência não houve mais «milando» nas terras da Zambézia. Fomos embora mas o fermento da paz ficou para sempre."

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S E R V I Ç O
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Nas terras, bem difíceis, de Conua,
À noite vigiados pela lua,
De dia por montanhas sem picadas,
Andámos, nesses tempos já passados,
Vivendo uma aventura de soldados,
Em busca de guerrilhas emboscadas.
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Saídos duma infância mal cumprida,
Moldada foi, por lá, a nossa vida,
Forçada ao cumprimento de missões;
Mas, sem perder noção do que era justo,
Tentámos conseguir, a todo o custo,
Manter a paz em muitas regiões.
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Por mais que nos critiquem vozes loucas,
Podemos ver agora que bem poucas
Seriam as lições a receber
Daqueles que se julgam mais correctos,
Sem actos de valor que, por concretos,
Demonstrem mais bom senso e mais saber.
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Vítor Cintra
No livro: MEMÓRIAS

20 Comentários::

At 21/2/07 1:13 da manhã, Blogger leituras said...

Excelente texto.
Esclarecedora imagem.
Um poema sublime que, como sempre, nos deixa uma mensagem.

Boa semana

 
At 21/2/07 11:24 da manhã, Blogger Manel do Montado said...

«… com quem saiba conduzi-los, eles irão a toda a parte e combaterão quem se quiser, marcharão sujeitos às maiores fadigas, sem murmúrio, vivendo apenas de pão e água, com um dente de alho como condimento» 8.
8 General FERREIRA MARTINS, A História do Exército Português, Tomo VI, pp. 181-182.

Relato de um oficial irlandês que comandou tropas portuguesas durante as invasões francesas. Há muita gente que ainda se pergunta como conseguimos ser independentes de Castela? A resposta, ou uma delas, disse-a eu no centro de treino de nomadismo das forças especiais britânicas nas Badlands: - Está na têmpera!
Continuei: De que se orgulham os escoceses? De usar Kilt e gaitas de foles? De se bater pelos ingleses há mais de 400 anos e não se batem para ser independentes? De que se orgulham os catalães? Do Barcelona FC? E o bem mais precioso, a liberdade? De que se orgulham os franceses se consideram os corsos como franceses de segunda e o seu maior general era corso? De que se orgulham se foram sempre ocupados e necessitaram da ajuda de outras nações para se libertar? Que orgulho nacional têm os franceses se no seu dia nacional (14 Julho), é um corpo de tropas estrangeiro que abre o desfile nos Champs Elisés?
É esta têmpera que nos faz únicos, que nos fez fazer a vida negra aos romanos, que nos fez correr com os mouros 200 anos antes de Castela, que nos fez fazer ao mar em busca de novos mundos, que nos fez bater ao lado dos ingleses e por Napoleão na Rússia, que nos fez aguentar três frentes de guerra contra movimentos apoiados internacionalmente por potências inimigas e amigas, que fez com que sucessivas vagas de jovens dessem o melhor de si em prol de uma pátria que hoje os esquece, ou quase.
A nossa história foi sempre assim, as classes dominantes constituídas por traidores ou cobardes desde 1383 até há última guerra colonial. Heróis foram os que fugiram para Argel ou para França, da mesma forma que a corte fugiu para o Brasil há quase duzentos anos.
Sei do que falo. Comi e dormi em muitas instalações militares no estrangeiro e face ao conforto destes e olhando ainda hoje para as casernas e para o rancho da tropa portuguesa, fácil será concluir de onde lhe vêm a têmpera.
O trabalho que fizeste Vítor é de todo típico de quem quer fazer o bem a populações e não o inverso, pois para além das patrulhas e outras missões, ainda dinamizavam culturalmente essas populações. A guerra é sempre julgada politicamente e nunca é relatada por aqueles que a fizeram. Daí a razão do meu blog, para que a minha verdade se saiba e para que a memória dos que morreram em nome da paz na luta contra o genocídio seja perservada.
Um abraço

PS: O teu poema é também o meu hino.

 
At 21/2/07 12:04 da tarde, Blogger Um Poema said...

Manel,
Obrigado pelas tuas palavras.
São homens da tua têmpera que me fazem continuar a sentir orgulho de ter envergado o uniforme.
Ir à guerra para conseguir a paz, parece ser algo que os "doutorados de Argel" têm dificuldade em entender.
Um abraço

 
At 21/2/07 12:05 da tarde, Blogger Um Poema said...

Leituras,
É não mais do que o meu testemunho.
Um abraço

 
At 21/2/07 1:32 da tarde, Blogger Isabel Filipe said...

".......
Saídos duma infância mal cumprida,
Moldada foi, por lá, a nossa vida,......
...."

Uma vez mais fazes com que me corram as lágrimas pela cara abaixo ....

... muitos dirão que era uma "saloice"....menina e moça que era na altura ... fiz aquilo que podia .... dar apoio a quem vinha defender a Pátria ... e que por lá se sentia só ....foram visita da minha casa .... sentaram-se à mesa minha... e dos meus pais ....
tive alguns afilhados de guerra (uma coisa inventada pelo Guilherme de Melo na sua Coluna em Marcha)....

Bj

P.S. depois falamos das fotos .... agora não consigo

 
At 21/2/07 1:34 da tarde, Blogger Isabel Filipe said...

.... brincando ....(mas falando verdade)

rssss....

claro que me apareceram diversos malandros .... que só queriam gozo e namoro ....

 
At 21/2/07 4:43 da tarde, Blogger Ana said...

Imagino que as recordações de tempos de guerra sejam dificeis mas vale sempre a pena contá-las.
Abraço

 
At 21/2/07 7:24 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Vítor Cintra:

É, meu amigo poeta, compreendo-te perfeitamente no que é dar o corpo ao manifesto para quê? Para nada! E, quantos jovens como tu (na altura dos factos), pagaram com a vida essa guerra que se antevia ter o desfecho que teve. No entanto, com tudo isso não desmerece a luta e o empenho que todos os jovens como tu fizeram em nome da Pátria. Coisa que vai rareando hoje em dia, onde impera o individualismo e o 'salve quem puder', tendo contudo, certas mentes doentias se virado para as Ilhas não como parte integrante da Pátria Portuguesa mas como mais umas colónias a espezinhar!!! Um grande abraço.

 
At 21/2/07 7:49 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Guerra não leva a nada !!!! A paz é minha bandeira !!!! As pessoas são meu hino !!! Os inimigos eu rezo...........Não quero guerra........QUERO RESPEITO........SIMPLES......ATITUDE DE PESSOA HUMANA........ABRAÇO

SEQUIN

 
At 21/2/07 11:09 da tarde, Blogger antónio paiva said...

................

Amigo

na guerra e na paz, como em qualquer parte ou lugar de saber

o que realmente importa é a essência

pena passarmos tanto tempo a apanhar a lã que fica presa nos silvados, e não darmos atenção ao rebanho

................

Grande Abraço e noite serena

 
At 22/2/07 12:15 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Caro Victor,

eu tenho orgulho de ter nascido em Portugal, em MOÇAMBIQUE.

Tenho orgulho no que lá foi feito,muito mesmo.Orgulho-me dos portugueses que desenvolveram àfrica e aqui estás tu a ajudar a ensianar a ler.Que bela foto...que belo poema, MUITO BELO.
(Quero comprar o teu livro, está á venda nas tradicionais papelarias?)

Sabemos que há sempre coisas negativas no meio do positivo.Hoje a regra é inversa.Aqui te deixo com um abraço:

Portugal desamparado


Portugal ainda não recebeu um cêntimo das despesas efectuadas em Timor, na missão das nossas forças policiais lá estacionadas. A ONU ainda não pagou, dizem fontes governamentais mostrando-se desagradadas com o tratamento daquela organização mundial. Pedem-nos mais forças para lá, quando nem sequer foi assinado o protocolo entre as Nações Unidas e Portugal relativo às forças que lá estão!Enquanto isto, Portugal não tem dinheiro para o seu dia-a-dia local. Endivida-se, vende o ouro da reserva que o "velho senhor" deixou, para que estes "novos senhores" façam uma política externa utópica em desprimor da interna.Mas afinal, porque será que nunca mais acordamos para a realidade?Senhores governantes, dizem-nos constantemente que não há dinheiro, que nada se faz por isso (aumento das reformas, dos ordenados, incremento da escolaridade e formação profissional, apoio aos idosos e deficientes...), bem como tudo se faz por isso (fecho de escolas, de hospitais, maternidades, corte nas reformas, nos subsídios de desemprego, de alimentação...). Não será tempo de reflectirem em verdade e consciência que Portugal precisa é de uma política realista, começando por definir o que é realmente prioritário ?A verdade é que o MAI não tem dinheiro para manter as polícias em Portugal e tem para subsidiar a ONU?! Afinal temos ou não efectivos suficientes nas forças de segurança? Porque se fala constantemente em racionalizar meios humanos se até policiamos Timor?Senhor Primeiro Ministro precisamos de operacionalizar as nossas polícias em PORTUGAL. A miséria é enorme; caiem as instalações, armas velhas, mistura insensata de civis sem conhecimentos e capacidade na matéria, com policias, pensando que aquilo é uma mera repartição de finanças ou uma escola, nada percebendo do que deviam fazer e não fazem (com culpa de quem os baralha e distribui sem a devida formação).
São as avaliações inconclusivas e irreais que minam a moral dos policias, que dizem cada vez mais que "o melhor serviço é aquele que fica por fazer". Mas que fazem "os impossíveis" para exercerem a sua profissão e a pronta protecção dos cidadãos.
Olhe para onde vai parar estes país senhor Ministro da Administração Interna, pois nós os portugueses sabemos bem o que se passa ... não chega assinar um despacho para que as forças policiais previnam os suicídios, mas urge dotá-las de modernidade e humanismo efectivamente condizentes com este século XXI.
Senhor Primeiro Ministro, o mesmo se passa em relação às FA (Forças Armadas), onde tudo se confunde na falta de uma verdadeira estratégia para esta área. Sou contra passeios de qualquer descontentamento, mas parece-me que o governo começa a deixá-los sem alternativas, por absoluta incompetência e falta de rumo. Mesmo os operacionais, os verdadeiros, aqueles que não buscam benesses, aqueles que não participando em "manifs" se interrogam dentro de portas.
Arrumemos a nossa casa primeiro e depois pensemos nas Missões de "paz" no estrangeiro.
Ninguém pode ajudar os outros se não estiver com saúde, ou de bem consigo próprio.

 
At 22/2/07 4:25 da tarde, Blogger Isabel José António said...

Caro Amigo,

Muito bonitos o texto e o poema.

Daqui resulta que, até no meio de situações terríveis, podem haver acções benéficas e de solidariedade humana.

Um grande abraço

José António

 
At 22/2/07 9:45 da tarde, Anonymous Anónimo said...

"A paz ganhou a guerra"!

Que lição de humanidade dada por essa companhia de Cavalaria! parabéns J. Vitor por ter feito parte dela, por ter suportado os horrores de uma guerrilha e nela, ainda jovem, valorizar, em primeiro lugar, o ser humano!

O poema me sensibiliza profundamente.

Beijo

 
At 23/2/07 12:17 da tarde, Blogger CAntonio said...

Caro Vitor,

Essas ações de guerra foram um verdadeiro ensino à paz.

Quanto ao poema... como sempre impecável.

Saudações (mais que pacíficas)

 
At 24/2/07 6:32 da tarde, Blogger Papoila said...

Uma foto comovente e um texto muito bonito.
A nossa história constroi-se de memórias.
Beijo

 
At 24/2/07 6:46 da tarde, Blogger PintoRibeiro said...

Bfsemana, abraço.

 
At 24/2/07 7:10 da tarde, Anonymous Anónimo said...

O texto que antecede o poema é excelente, assim, claro, como o poema em si, cheio de qualidade que já conhecemos e apreciamos. Eu, como desertei e vive depois no Brasil de 1970 a 1974, não estive na Guerra Colonial. Óptimo fim-de-semana.

 
At 25/2/07 10:12 da tarde, Blogger Isabel Filipe said...

.... o meu Post de amanhã.... será com um poema teu....

Bj

 
At 25/2/07 10:49 da tarde, Blogger Å®t Øf £övë said...

Vítor,
A vida tem destas coisas... é aquilo que fazemos dela, é o livro que escrevemos todos os dias por nós próprios, umas vezes de forma mais clara que outras, mas chegamos sempre a qualquer conclusão. A vida é sofrimento e alegria. A vida são os altos e os baixos que cada um ultrapassa à sua maneira, umas vezes melhor, outras vezes pior, porque a vida também é ganhar e perder. A vida é uma renovação constante do nosso "eu".
A vida é a nossa verdade e aquilo em que acreditamos... porque é antes de mais a nossa vida... que tem destas coisas...
A vida é feita de força, de esperança, e de coragem. A vida não é desistir, mas antes insistir. E sobretudo a vida é chegarmos um dia e olharmos para tráz e dizer: vivi a vida que quis, a vida que fiz, a vida que mereci...porque fui eu que a escrevi, no livro da minha vida.
A vida tem destas coisas...
Abraço.

 
At 27/2/07 3:49 da tarde, Blogger Luiz Carlos Reis said...

Meu caro amigo,
Uma breve síntese de um conto que escreví recentemente:
"A farda engomada e robusta na estatueta de bronze... Mistura de latão e cobre é só um busto de azinhavre enclausurado que adormece, como gigante, num ataúde de lembranças sem saudades. Salve pela bravura inconteste!"
Estou retornando depois de merecidas férias!
E vejo que continuas sublime com as palavras!

Abraços!

 

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