terça-feira, janeiro 30, 2007

GIL EANES


(Imagem recolhida na internet)

No fim do século XIV, o conhecimento que se tinha do mundo, da sua grandeza, diversidade e extensão não ia além de cerca de um quarto da sua dimensão.
Dizia-se... constava... pensava-se... mas os horizontes desse imaginário eram, apesar de tudo, muito limitados e, ainda assim, povoados de monstros, animais fantásticos e perigos terríveis.
No início do século XV, dois homens, João Gonçalves Zarco e Gonçalo Velho Cabral, fidalgos da casa do Infante D. Henrique, tornaram-se a alavanca que impulsionaria o Infante a abraçar, como razão de vida, a epopeia dos Descobrimentos. O primeiro, ao descobrir as ilhas de Porto Santo e da Madeira, o segundo, descobrindo as de Santa Maria e São Miguel, nos Açores.
Gil Eanes, porém, escudeiro de sua casa, a quem o Infante D. Henrique, enviou, mar a dentro, rumo ao sul, tornou-se, ao passar além do Cabo Bojador, vencendo o terror misterioso que este pormontório inspirava, o primeiro grande navegador, o que abriu horizontes, derrubou mitos e superstições. Pode dizer-se que, com ele, se iniciaram as grandes viagens e descobertas dos anos - mais de um século - que se seguiram.

MARINHEIRO

Com a loucura, cega, do gigante
Desafiado nos covis secretos,
A tempestade cresce e num instante
Mistura chuva, raios, preces, credos.

O mar, rugindo louco, em sintonia,
Agride, sem descanso, altos rochedos,
E ao largo, prolongando a agonia,
Brinca com homens, barcos, vidas, medos.

É hora da verdade! E se alguém teme
A força e o furor dos elementos,
É, creio, o arrojado marinheiro;

Mas firme, mãos crispadas sobre o leme,
Rezando, ou praguejando os seus tormentos,
Defende, corajoso, o seu veleiro.

Vítor Cintra
No livro: DISPERSOS

sexta-feira, janeiro 26, 2007

RIO DE ONOR - Um viver único


(Imagem Tempo Livre)

O nº 178 da revista "Tempo Livre" publica, da autoria de Lourdes Féria, um trabalho sobre esta aldeia comunitária luso-galega, que vale a pena ler, e do qual destaco estas passagens :

"(...) A placa junto à ponte sobre a ribeira do Condensa, um afluente do Sabor, anuncia que entrámos nos domínios de Rio de Onor, território fronteiriço dividido ao meio por uma linha imaginária, completamente artificial. Acaba ali Portugal e começa a Espanha, garantem as cartas geográficas. Ou talvez seja o contrário, vá lá saber-se ao certo. Para os habitantes desta povoação tão peculiar as fronteiras políticas não contam, pois desde sempre se registaram casamentos entre as famílias dos dois países e o espírito de convivência nunca esmoreceu. No fundo, falam o mesmo dialecto, num minuto palmilham os pouco mais de 150 metros de estrada e batem à porta dos seus "hermanos", comungam as horas de alegrias e as de tristeza. Não faltam nos baptizados nem nos funerais. (...)
O conselho dos "homens bons", organismo inacessível às mulheres, fazia cumprir com espírito patriarcal e sem apelação certas normas. (...)
Aos homens de "rodra" competia vigiar as águas dos coutos, ir a Bragança comprar adubos ou cimento e pagar as contribuições da aldeia. Os habitantes de Rio de Onor raríssimas vezes recorriam aos tribunais. O conselho resolvia as questões do gado, dos danos causados na propriedade de cada um e até os roubos. (...) Se uma vaca partisse uma perna e tivesse de ser abatida, os vizinhos eram obrigados a comprar uma determinada quantidade de carne, proporcional ao número de pessoas da casa e aos bens que possuíam, para minimizar o prejuízo. (...)"
.
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RIO D' ONOR
.
Rio d' Onor se chama
E tem por divisa
Ser tão transmontana
Como da Galiza.
.
Os tempos passados
Em isolamento
Ficaram marcados
No comportamento.
.
Ali há preceito
De comunidade
Sem perder respeito
P'la identidade.
.
Extinta a fronteira,
Aberta a corrente,
Nem dessa maneira
A vida é diferente.
.
Por ser portuguesa
Como é do vizinho,
Tornou-se princesa
Lá no Montesinho.
.
Vítor Cintra
No livro: MOMENTOS

terça-feira, janeiro 23, 2007

SEJAMOS SÉRIOS


(imagem recolhida em "Último Reduto")

O que é que se pretende com o referendo de Fevereiro?... A despenalização da interrupção voluntária da gravidez, até às 10 semanas de gestação, ou, simplesmente, a legalização (liberalização) do aborto?

Ponderemos o seguinte:

Se é de facto a "despenalização", que está em causa, importa saber de quem?... Da mulher, ou do seu mentor, ou mentores?...
Ao abrigo da legislação vigente quantas mulheres foram indiciadas pelo crime de aborto?... Quantas foram condenadas?... E quantas cumpriram pena?...
E os seus mentores?... Os mentores, sim!... Acaso o mentor de um crime não é tanto, ou mais, responsável por ele, do que o executante?
Quantos maridos, companheiros, namorados, pais, irmãos, famílias, não coagiram mulheres a recorrerem ao aborto?... Quantos não lhes negaram qualquer apoio, além do dinheiro - para clínicas de luxo, ou para parteiras (quando não apenas "curiosas") - numa fase de evidente vulnerabilidade, como forma de as pressionarem?... E desses, quantos foram levados a julgamento ou, chamados à responsabilidade?
Quem sabe quantos dramas, medos, terrores mesmo, não estão, tantas vezes, na origem dos actos dessas mulheres?... Quem tem o direito de julgar a mulher e ignorar o mentor, que a coagiu com chantagem emocional, violência verbal ou até violência física?...
Acaso foi a mulher a única interveniente na concepção?... E quando foi que se procurou apurar a responsabilidade do outro interveniente, nessa opção de aborto?...
E então chegamos à expressão "voluntária". Como é que se apura se a interrupção da gravidez é uma opção voluntária da mulher, ou se resulta de coacção?... E se é "voluntária" porque é que necessita de dois meses e meio?

Sejamos sérios!

Este referendo tem alguma coisa a ver com quaisquer preocupações sobre as condições em que as mulheres abortam?... Que estudos foram feitos?...
Ou será que isso foi sempre o que menos interessou, quantas vezes até à mulher, face aos seus dramas e medos? Acho que essa, apesar de esgrimida até à saciedade, é talvez mesmo a última das preocupações.
Acredito muito mais que a preocupação maior de muitos dos afobados defensores do SIM seja conseguir estabelecer uma base legal que lhes permita, enquanto mentores, não virem nunca a ser chamados à responsabilidade. Irresponsabilidade e impunidade, é essa a preocupação. E aqui deve incluir-se especialmente o estado, por se demitir das suas obrigações sociais.

É óbvio que nem todas as mulheres que recorrem ao aborto o fazem coagidas. Mas essa é outra análise, que ficará para outra ocasião.

INFANTICIDAS

Cantam-se loas à vida,
Diz-se que o mundo anda torto,
Votam-se, em contrapartida,
Leis a favor do aborto.

Quando se traça tal sina,
Ao inocente indefeso
Quer-se que, quem assassina,
Não venha nunca a ser preso.

Quem, face a tal violência,
Sem pesos de consciência,
Quer aprovar o aborto,

Nunca tal coisa faria
Se sua mãe, certo dia,
Desse em pari-lo já morto.

Vítor Cintra
No livro: DESABAFOS

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Raízes Genéticas


(Imagem recolhida na Internet)
No Blog of Marfa a nossa amiga Fátima, publicou um texto, de autor desconhecido (mais um) que, pela sua pertinência, transcrevo, ainda que com formato diferente, para facilitar a leitura:
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Alguns macacos sentados num coqueiro, discutindo sobre coisas de que ouviram dizer...
Disse um deles para os outros:
"- Há um rumor de que pode ser verdade que os seres humanos descendem da nossa nobre raça."
Respondeu um deles:
"- Bem, essa ideia é uma desgraça! Nenhum macaco jamais desprotegeu sua fêmea ou deixou seus bebés famintos ou arruinou a vida deles."
Retrucou outro macaco:
"- E nunca se ouviu dizer que alguma mãe macaca tivesse dado seus filhos para outra ou que alguma delas tivesse passado os filhos de uma para outra mãe, até que eles ignorassem de quem realmente eram filhos. Nunca soube que uma de nossas fêmeas tivesse jogado fora seus filhotes, deixando-os em lixeiras ou dentro de sacos para que morram. Nossas fêmeas não fazem a menor distinção entre o sexo dos bebés e nunca deixam de amamentá-los... Há também uma outra coisa que nunca foi vista entre nós: Macacos cercando um coqueiro e deixando os cocos apodrecerem, proibindo outros macacos de se alimentarem, já que se a árvore fosse cercada a fome faria outros macacos nos roubarem. Outra coisa que macacos jamais fizeram: Sair à noite para roubar, usando porretes, facas ou armas, para tirar a vida de outros macacos."
"Sim, os humanos descendem de uma espécie muito rude de primatas; vocês podem ver o que fazem com os lugares onde moram, derrubam sem dó tudo o que encontram, pela sujeira que fazem e o fogo que põem nos arredores e nas matas, além dos costumes estranhos que têm, jogando sujeira no ar que respiram, o que deve fazer com que fiquem muito violentos."
"Nós não fazemos nada disso; e quando pegam um de nós... nos põem atrás das grades, são ferozes mesmo! Amigos, com certeza os humanos não descendem de nós."
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E quantas anormalidades mais, igualmente graves, até contra os próprios filhos, praticam os humanos, além de todas estas que os macacos descreveram?...
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INCONGRUÊNCIA
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Se uma mãe, que mata o filho,
Não faz como o 'scorpião,
Só difere do insecto
Porque aquele é mais correcto,
Tem instintos, não razão.
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Por ser curta a vida humana,
Nenhum erro se redime
Dessa forma desumana.
Se ser mãe é tão sublime,
Que sentido faz o crime?
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Deu-nos Deus inteligência,
Que distingue o bem do mal.
Mas, com tal incongruência,
A mulher torna-se igual,
Ou pior que o animal.
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Vítor Cintra
No livro: ALEGORIAS
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O seu a seu dono:
Chegou ao meu conhecimento (indicação da minha amiga Isabel "Alma de Poeta", a quem agradeço o esclarecimento), que o texto acima, é da autoria de Silvia Schmidt.

domingo, janeiro 14, 2007

ABORTO

(Imagem recolhida em Portugal Diário)

O povo diz que "em boca fechada nem entra mosca, nem sai asneira"
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Falando do referendo sobre despenalização da "interrupção voluntária da gravidez" o Ministro da Saúde disse, um dia destes, em resposta à pergunta do repórter, que a grande maioria dos abortos virão a ser praticados em clínicas privadas e não no Serviço Nacional de Saúde.
Pasme-se!
Surpreendente, sem dúvida, esta resposta do ministro, a sugerir algumas considerações.
Vejamos:
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- Afinal vamos referendar a despenalização de quem praticar voluntariamente aborto, até às 10 semanas de vida, ou a legalização do aborto?... As palavras do sr. Ministro sugerem a segunda hipótese.
Mas se, no primeiro caso, não se legaliza a morte do feto, apenas se propõe que o crime (MATAR É CRIME), não seja punido, no segundo, aceita-se legalizar a morte como não crime e isso é grave. É que, se até às 10 semanas não é crime, às 10 semanas e um dia passou a ser porquê, sr. ministro?... E como conta, o sr. as 10 semanas, para efeitos criminais?... Desde a hora da transa (quem controla a hora?), ou tem algum segredo especial para determinar se não ultrapassa as 10 semanas, ou passa mais um dia?...
- Da resposta do sr. Ministro pode concluir-se também que, na sua mente, é um facto assumido que o SIM já é vencedor, antes mesmo de os portugueses se pronunciarem. E isso, pelo que revela de desrespeito pela vontade dos votantes, é, definitivamente, muito grave.
- A resposta sugere ainda que, na ideia do sr. Ministro, o Serviço Nacional de Saúde, financiado pelo dinheiro dos impostos de todos, passará a poder MATAR, por vontade de alguns.
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Tendo em conta a premência, quiçá sanha, deste ministro, no encerramento de Maternidades, Serviços de Urgência, Postos de Saúde, aliado ao desenfreado aumento dos custos de acesso aos cuidados de saúde primários, à morosidade na contratação de médicos, mesmo dos disponíveis, cabe questionar a intenção de Sua Excelência.
Que ódio é este que anima o ministro contra os portugueses, ao ponto de querer acabar com eles?
Porque essa vontade, mal disfarçada, de querer aliar a legalização da matança ao impedimento de que haja mais nascimentos em Portugal (ou não os mandaria nascer em Espanha), e à determinação posta em que não sejam assistidos os que escaparem, só pode entender-se se lhe estão subjacentes razões de ódio. Será?...
Se for isso, então tudo começa a fazer algum sentido.
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R E P Ú D I O
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Nos tempos que vão correndo
Só engravida quem quer.
Sujeitar a referendo
O direito de nascer...
Nem é humano, sequer.
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Depois de atrasos, causados
Por acção de incompetentes,
Pagar impostos usados
Para matar inocentes...
É tornar-nos coniventes.
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As consciências rejeitam
O crime que fica impune.
Mas muito menos aceitam
Que se transforme em costume
O CRIME, que a lei assume.
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Vítor Cintra
No livro: AO ACASO

segunda-feira, janeiro 08, 2007

DESAFIOS


Normalmente não aceito "desafios" como este que Marian me lançou. É que, ao longo da minha vida, foram tantos os desafios, que tive necessidade de enfrentar, que fico com a sensação de que aceitar desafios, por desporto, é quase um absurdo.
Acontece, porém, que aquilo que me é proposto, é tão só uma enumeração, nem tão rigorosa assim, do que tenciono fazer, neste 2007. E isso, sendo embora apresentado como "desafio", acaba por ser, afinal, um exercício de reflexão de propósitos, que não enjeito.
Não gosto de definir objectivos demasiado grandes. Nem sequer tenho motivação que me force a olhar muito além do amanhã. Por isso os meus projectos não servirão de modelo, nem serão motivo de admiração, nem inveja, para ninguém, certamente.
São coisas simples, como:

- Trabalhar, naturalmente, com dedicação e empenhamento, mas sem esquecer que o trabalho é um modo de vida e não um modo de morte;
- Ler, ler muito, por prazer 'doentio';
- Escrever, por necessidade interior;
- Pintar, por curiosidade e descontracção;
- Conviver com os muitos amigos que somei ao longo da vida;
- Desfrutar o carinho dos meus filhos e a ternura dos meus netos;
- Continuar a colaborar num projecto, já existente e a funcionar, de acolhimento e protecção de crianças;
- Viajar, para perto ou para mais longe, de acordo com as oportunidades e as disponibilidades de tempo e de recursos.

Estas são, talvez, as principais coisas que se perfilam no meu horizonte de 2007, se bem que não, necessariamente, pela ordem elencada. E, a propósito de coisas, deixo-vos este poema:

C O I S A S

Há coisas no nosso mundo
Que fazem dizer à gente,
Às vezes um NÃO rotundo,
Mas outras, um SIM pungente.

Há coisas, na nossa vida,
Que trazem no dia a dia,
Às vezes, mágoa sentida,
Mas outras, muita alegria.

Há coisas, nos nossos sonhos,
Calados como segredos,
Às vezes, fundos medonhos,
Mas outras, apenas medos.


Vítor Cintra

No livro: À DISTÂNCIA

quinta-feira, janeiro 04, 2007

SANTARÉM - A porta de Lisboa

Sepultura de Pedro Alvares Cabral
(Igreja da Graça - Santarém)

A conquista de Santarém por D. Afonso Henriques, em Março de 1147, é descrita, pelo Professor José Mattoso, como "uma operação surpresa extraordinariamente feliz".
De Santarém partiam, em direcção a Coimbra - onde D. Afonso Henriques estabelecera, tempos antes, a capital do reino - numerosas incursões de pilhagem dos muçulmanos. Foi, pois, a partir de Coimbra, que o rei desencadeou a operação de conquista de Santarém. A posse desta rica e importante cidade, de cuja abundância os geógrafos árabes falavam, até em termos exagerados, além de constituir uma presa apetecível, facilitaria enormemente a conquista de Lisboa, como veio a verificar-se quando, em Outubro desse mesmo ano, com a ajuda de cruzados, D. Afonso Henriques cercou Lisboa.
Assumiu tal importância a conquista de Santarém que, em Acção de Graças a Santa Maria da Vitória, D. Afonso Henriques mandou erigir o Mosteiro de Alcobaça.

S A N T A R É M

Se Roma te fundou, foi a moirama
Quem fez de ti cidade fortaleza;
O Tejo, que te beija, deu-te fama,
Que bem te assenta ainda, de beleza.

Tomou-te Afonso Henriques, por vontade
De magras tês centenas de guerreiros,
Mas não te fez escrava. Na verdade,
Apenas te salvou de cativeiros.

Cresceste, altaneira mas bonita,
Sabendo preservar a tradição
Da gente, que povoa a região;

Por isso é que se diz que, quem te habita
Tem já particular valor humano,
Apenas, por nascer scalabitano.


Vítor Cintra

No livro: CONTRASTES