segunda-feira, agosto 27, 2007

MORREU O POETA ALBERTO LACERDA

(imagem recolhida na internet)
O poeta Alberto de Lacerda, um dos fundadores da revista Távola Redonda, com Ruy Cinatti e David Mourão Ferreira, entre outros, faleceu em Londres, onde residia desde os anos 50, informou hoje o ensaísta e poeta Eugénio Lisboa, amigo do autor.
Segundo Eugénio Lisboa, foi o escritor Ian McEwan, amigo de Lacerda, quem, estranhando a ausência do poeta, com quem combinara almoçar, tomou primeiramente conhecimento da sua morte.
Quando o autor de «Expiação» chegou a casa de Lacerda, já este estava em coma. A sua morte ocorreu no domingo em Londres.
Para Lisboa, seu amigo e conterrâneo - são ambos naturais de Lourenço Marques, hoje Maputo - Lacerda é «um dos maiores poetas de língua portuguesa do século XX», um poeta «que tinha uma verdadeira paixão pela língua».
«Ele é um - qualificou - dos líricos mais puros da língua portuguesa. Era igualmente um homem de grandes convicções políticas. Era de esquerda. A sua poesia, embora contaminada por uma grande empatia com o sofrimento humano, em nada alterava o seu lirismo».

Diário Digital / Lusa

Porque será que Alberto Lacerda, sendo um homem de esquerda, não correu, depois do 25 de Abril de 1974, a sentar-se à mesa do Orçamento?
Será que Alberto Lacerda não era verdadeiramente um homem de esquerda, ou são os "homens de esquerda" da nossa praça que de esquerda só têm o facto de serem "canhotos"?

Ao poeta, intelectual honesto, que os medíocres da (in)cultura doméstica ignoraram, aqui fica a homenagem simples mas sentida.
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P O E T A
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Ser poeta... é delirar,
Delirar alegre, ou triste,
Fazer versos é sonhar
Co' aquilo que não existe.
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Ser poeta... é esquecer,
Da vida a realidade,
É, num abraço, abranger
O mundo e a eternidade.
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Ser poeta, realmente,
É viver da ilusão
Nas horas de solidão,
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É escrever o que se sente
Dando asas, livremente,
À nossa imaginação.
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Vítor Cintra
No livro: DISPERSOS

quarta-feira, agosto 22, 2007

D. JOÃO I - Mestre d'Avis

(imagem recolhida na internet)

Foi há 585 que D. João I, rei de Portugal decretou que a Era Hispânica, como se denominava então a Era de César, desse lugar, na marcação do calendário, à Era Cristã.

No ano 46 a. C., Júlio César, sob orientação do astrónomo Sosigenes, reformou o calendário romano, para uniformizar os diferentes calendários usados nos territórios ocupados pelos romanos. Essa reforma introduziu o calendário juliano, de doze meses - 365,25 dias - em cada ano, representados por três anos de 365 dias cada, seguidos de um ano de 366 dias.

O decreto de D. João I, porém, transformou o dia a seguir ao dia 22 de Agosto do ano 1460 da Era Hispânica, no dia 23 de Agosto do ano de 1422 da Era Cristã.

Ainda assim, tratou-se apenas de uma mudança de eras temporais. A verdadeira revolução do calendário viria a acotecer bastante mais tarde, no ano de 1582, com o Papa Gregório XIII e a bula «inter gravissimus».

D. JOÃO I

Casado com Filipa de Lencastre,
Tornou-se D. João, "Mestre d'Avis",
Monarca de prestígio, como quis,
Salvando assim o reino de desastre.

Sem ter-se imposto à força, como queria,
Castela, nas batalhas já vencida,
Deixou fugir a presa, apetecida,
E deu lugar à nova dinastia.

O povo, em todo o reino, e muitos nobres
Nascidos os segundos, que eram pobres,
Tal como o foi D. Nuno, "O Condestável",

Fizeram, com arrojo e com coragem,
Surgir em Portugal nova linhagem,
Senão a mais ilustre, a mais notável.

Vítor Cintra
No livro: HOMENAGEM

quarta-feira, agosto 15, 2007

ÓBIDOS Uma das sete maravilhas de Portugal

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A história de Óbidos não se resume, apenas, nalgumas linhas. Ou mesmo em algumas poucas páginas. Mas Óbidos é incontornável. E, porque o é, torna-se impossível não lembrar ao menos alguns dos muitos factos que lhe estão ligados.
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Embora se registem vestígios de um povoado pré-campaniforme no Outeiro da Assenta, atribui-se aos romanos a fundação de Óbidos (Eburobrittium), no século I. Crê-se que a formação do topónimo deriva do vocábulo romano "oppidum".
Depois dos romanos, entre os séculos V e VIII, foram os visigodos os senhores de Óbidos. No local onde hoje se ergue a Igreja de Santa Maria, terá existido, construída pelos visigodos, uma primeira igreja.
Seguiu-se a ocupação árabe do século VIII ao século XII. Nesse período terão sido feitas obras de fortificação do castelo e da muralha exterior. Os árabes, após a conquista, converteram a igreja de Santa Maria em mesquita.
Por fim, no século XII, apesar da grandiosidade da fortificação, D. Afonso Henriques conquista a fortaleza e incorpora-a, definitivamente, no reino.
Óbidos, que foi sempre lugar predilecto, e local de refúgio, das mais ilustres senhoras, antes da fundação de Portugal, foi-o também, depois, das raínhas de Portugal.
Com a doação de Óbidos à Raínha Santa Isabel, a vila passou a fazer parte da Casa das Raínhas.
Em meados do século XIII Óbidos é cercada pelas tropas de D. Afonso, Conde de Bolonha (que mais tarde sobe ao trono como D. Afonso III), no conflito que o opõe a seu irmão o rei D. Sancho II, mas a população, apesar do sofrimento, mantem-se fiel ao rei.
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Em Óbidos nasceu, em 1320 D. João de Ornelas, que foi abade do Mosteiro de Alcobaça e um dos principais apoiantes de D. João I, na crise dinástica de 1383. Nasceu também Fernão Anes que, no reinado de D. Afonso V, foi sucessor de Gomes Eanes de Zurara, como guarda-mor da Torre do Tombo.
Em 1336 S. Teotónio foi nomeado prior da Igreja de Santa Maria.
A Óbidos estão ligados ainda nomes como os dos pintores Garcia Fernandes, Belchior Matos, além de Josefa de Ayala e Cabrera, filha do pintor obidense Baltazar Gomes Figueira, nascida em Sevilha e que ficou conhecida como Josefa de Óbidos.

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Ó B I D O S.

Quem por ti, Óbidos, passa,
Sente o fascínio do tempo,
Ao evocar a desgraça
Das guerras, cuja ameaça
Vinha nas vozes do vento.
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Mantens cercadas de ameias
Ruas estreitas, vielas.
Mas o fluir das ideias
Que, sem fragor, incendeias,
Não cabem lá dentro delas.
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Contam teus muros histórias
De sangue, heróis e pelejas,
De resistência, vitórias.
E, dessas tuas memórias,
Renasces, como desejas.

Vítor Cintra
No livro: MOMENTOS

sexta-feira, agosto 10, 2007

Dª MARIA I - A Piedosa

(imagem recolhida na internet)

Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana, que veio a ser a primeira raínha de Portugal, nasceu em Lisboa, a 17 de Dezembro de 1734, reinava então D. João V, seu avô, que para ela criou o título de "Princesa da Beira".Aos quatro anos já lia português e castelhano. Aos cinco aprendia latim. Além de muito precoce era uma criança bela.
Aos 26 anos casou com D. Pedro III, seu tio, homem piedoso e ligado aos jesuítas, de quem teve seis filhos. O primogénito, D. José, morreu prematuramente, aos 27 anos. O segundo, na ordem da sucessão, subiu ao trono como D. João VI.
Com a morte de D. José I, seu pai, em 1777, D. Maria é aclamada raínha. Afastada dos assuntos de estado até chegar ao trono - muito por influência do Marquês de Pombal - D. Maria, contudo, vai imprimir um cunho muito pessoal à acção política, onde sobressai uma forte tendência para a liberalização económica.
No plano diplomático, na acção de D. Maria, sobressai a assinatura dos tratados do Prado e de Santo Ildefonso, através dos quais põe termo ao conflito aberto com a Espanha sobre os territórios sul-americanos. Consegue igualmente impor a neutralidade portuguesa na questão das colónias britânicas da América do Norte.
Criou a Real Academia das Ciências de Lisboa e aulas de Desenho em Lisboa e no Porto. Fundou a Academia Real da Marinha e a Biblioteca Pública de Lisboa. Fomentou o aparecimento de escolas públicas de instrução primária. Sob o impulso do intendente Pina Manique, criou a Casa Pia de Lisboa e instalou a iluminação pública em Lisboa.
Concluiu a igreja da Memória, em Belém, e deu início à construção do Teatro S. Carlos. Mandou construir a Basílica da Estrela, onde se encontra sepultada.
Os desgostos causados pela morte do marido, de alguns dos filhos e o terror provocado pela Revolução Francesa causaram-lhe problemas mentais cada vez mais graves que culminaram, em 1792, na declaração, feita por uma junta médica, da sua incapacidade de governar.
Morreu em 1816, no convento das Carmelitas do Rio de Janeiro, onde a corte se refugiou devido às invasões francesas.

D. MARIA I

Por morte de seu pai, a "Piedosa"
Rainha se tornou. Dona Maria
- A quem alguns também chamaram "Pia" -
Tentou, em seu reinado, ser bondosa.
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D. Pedro, rei consorte, era seu tio;
Mas foi de Vila Nova da Cerveira
Que veio, p'ra lançar a 'viradeira',
O homem que aceitou o desafio.
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Pombal, nas suas terras, em desterro,
Já longe do poder, a que não torna,
Os Távoras vê limpos, e o Alorna.

E para impor a lei, com mão de ferro,
Mas sem negar abrigo ao indigente,
Surgiu Pina Manique, o Intendente.

Vítor Cintra
No livro: HOMENAGEM

segunda-feira, agosto 06, 2007

Alguém me disse... Parte 4

A respeito do que penso e do que escrevo...

VAMOS FALAR DE RÓTULOS?

Em comentário feito de frases curtas, mas carregado de significativas insinuações, foi-me manifestado o desagrado pelo meu 'atrevimento' em abordar temas que, ao que parece, continuam a incomodar. Vá-se lá saber porquê...
E o "comentário" começava por questionar-me nestes termos: "Diga-me lá, você é retornado?" 'ipsis verbis'.
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Em bom português "retornar" significa "regressar", ou "voltar ao ponto de partida".
Em bom português, portanto, vamos ver se consigo satisfazer a curiosidade do inquiridor.
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Na década de sessenta, cumpri serviço militar. Fui mobilizado e embarquei para terras de além-mar, para cumprir uma comissão de cerca 30 meses.
Não fui voluntário! Como não o foram, aliás, a grande maioria dos homens da minha geração. MAS NÃO FUGI!
Regressei vivo e inteiro, graças a Deus. O que, infelizmente, não aconteceu a muitos outros. E, sendo assim, a minha resposta só pode ser, clara e inequivocamente, uma: SOU RETORNADO!
Sei perfeitamente que não era esta a resposta pretendida. Lamento desiludi-lo, senhor "demokrata".
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Sendo Portugal, durante décadas um país de emigrantes, a pergunta parece até despropositada.
Sê-lo-ia, de facto, não fosse a insidiosa carga negativa subjacente, na linguagem dos auto-intitulados "demokratas" domésticos, surgidos sabe-se lá de onde, no 26 de Abril de 1975.
Hábeis a rotular terceiros, sentem-se, contudo, incomodados, quiçá ofendidos, quando alguém lhes belisca os brios.
Para quem não está a par de tão "demokrática" linguagem, fica o esclarecimento:
"Retornado" foi o rótulo, inventado em 1975 pelos "demokratas" emergentes (quantos deles mantendo ainda o respectivo cartão da UN - bem guardado embora, mas intacto - não fosse o demo tecê-las) para rotular todos os que vinham das antigas colónias, quer fossem retornados, refugiados ou imigrantes. Numa - bem pouco imaginativa, aliás - imitação, de resto, do epíteto "pés negros", inventado em França, cerca de 15 anos antes, para injúria dos oriundos da Argélia.
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Desse tipo de linguagem me demarco hoje, como o fiz então. E não apenas pelo facto de muitos desses retornados, refugiados e imigrantes me terem recebido lá, num período difícil, com real hospitalidade e inesquecível urbanidade, honrando-me, ainda hoje, com a sua amizade, mas também porque, quem a usa, revela a sua enorme magreza de carácter.

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T E M A S
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Deixei, nas rimas breves dos poemas,
Fantasmas, dum passado que me marca,
Surgidos na memória, que os abarca
Aos poucos, revelados nos meus temas.
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Ao longo do percurso duma vida,
Calei um sentimento de revolta
Por mágoas dum passado, que não volta,
Tomadas duma Pátria mal cumprida.
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Não fui um desertor!... Nem deixei penas
Em causas, fossem grandes ou pequenas,
Daqueles que mandaram no país.
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Calar, porém, aqueles que tombaram,
Desonra os governantes que ficaram,
Mostrando a tacanhez mais infeliz.
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Vítor Cintra
No livro: RELANCES

quarta-feira, agosto 01, 2007

Idanha-a-Velha

Circunscrição administrativa denominada Civicas Igaeditanorum, nome derivado da designação do povo pré-romano - os igaeditani - que habitava a região, crê-se que a Egitânea visigótica, ou Idânia árabe, terá sido fundada no século I a.C., período de Augusto, talvez como consequência da política de apaziguamento e ordenamento do território, ou pela necessidade de ser criado um ponto forte intermédio entre a Guarda e Mérida.
Não se conhece muito da história da cidade romana, embora se saiba ter sido muito próspera durante o Alto Império. Não se conhecem também, com exactidão, os seus limites de então, mas as ruínas encontradas na margem esquerda do rio Ponsul sugerem que a sua dimensão ia muito além do perímetro definido pela muralha construída nos séculos III-IV.
Data dos séculos VI-VII a Sé erigida pelos visigodos, sobre vestígios do que se crê ter sido antes um templo suevo.
Em 713 d.C. os muçulmanos conquistaram a cidade aos visigodos. Durante a ocupação, em comparação com outras, como Lisboa, Beja ou Silves, a cidade terá atingido grande dimensão e riqueza. A sé visigótica foi então adaptada a mesquita.
Em 1114, durante a conquista, D. Teresa fez doação de Idanha, uma cidade deserta, a D. Egas Gosendiz. D. Afonso Henriques, porém, mandou ocupar Idanha e doou-a a Gualdim Pais, mestre dos Templários. Durante quase um século a cidade foi ocupada e reconquistada aos muçulmanos várias vezes. Talvez como consequência disso, no tempo de D. Sancho II a cidade tinha perdido a sua pujança correndo mesmo o risco de ficar completamente despovoada.
Em 1244 foi de novo doada aos Templários. A Ordem levou a cabo algumas obras militares na tentativa de garantir a sua defesa, mas, dada a sua vulnerabilidade, deu inicio à construção de uma nova fortaleza, distante algumas milhas, numa posição mais elevada. Esse terá sido o fim da esperança no ressurgir de Idanha. A existência da nova fortaleza deu mesmo origem ao nome de Idanha-a-Velha, com que passou a ser designada para distinguir-se da nova Idanha.
Em 1510, numa derradeira tentativa régia de fazê-la ressurgir, D. Manuel I concede-lhe novo foral, mas nem assim a cidade recupera a sua anterior importância.
Testemunha da História, Idanha-a-Velha é hoje uma jóia viva, ainda que parada no tempo.

IDANHA-A-VELHA

Passaram por ti romanos,
Como antes os lusitanos
E mouros depois, também.
Nas lutas com castelhanos
Sangraste, sofreste danos,
Lutando como ninguém.

Em tempos, que são lendários,
Soavam teus campanários,
Tornados em voz de alerta;
Chegaram então Templários,
Tornados teus donatários,
E a morte tornou-se certa.

Nasceu uma nova Idanha,
Tão forte, rica, tamanha,
Conforme a muralha espelha,
Ficaste só, frente à Espanha,
Mais pobre e órfã, estranha,
Tornada em Idanha-a-Velha.

Vítor Cintra
No livro: MURMÚRIOS