segunda-feira, fevereiro 26, 2007

BARTOLOMEU DIAS

(Imagem recolhida na página "Vidas Lusófonas")

Andaria pelos 35 ou 36 anos de idade, quando D. João II, em 1486, lhe confiou duas caravelas e lhe ordenou que partisse em demanda de notícias de Prestes João.

Navegando rumo a sul, ao longo da costa africana, descobriu angra dos Ilhéus - hoje chamada baía de Spencer - e chegou ao cabo das Voltas, após o que, assaltado por violento temporal, andou treze dias à mercê de ventos e mar. Quando o tempo amainou, não encontrando costa a leste, rumou a norte, tendo acabado por aportar à foz de um rio a que deu o nome de "rio do Infante".

Diz-se que Bartolomeu Dias pretenderia continuar viagem, na demanda das notícias que o rei lhe ordenara, mas que a oposição das tripulações o levaram a retroceder. Certo é que, já em 1487, na viagem de regresso descobriram o grande cabo que haviam dobrado, sem se aperceberem, durante o temporal. Por isso Bartolomeu Dias, ao erguer no pormontório o padrão chamado de São Filipe, deu-lhe o nome de Cabo Tormentoso.
Regressado ao reino, dando notícias da viagem, mandou D. João II que alterasse o nome dado ao pormontório, de Cabo Tormentoso para Cabo da Boa Esperança, dado que, a passagem desse ponto, à época considerada impossível, havia sido conseguida.

Bartolomeu Dias viria a encontrar a morte junto ao mesmo Cabo da Boa Esperança, em 1500, quando o navio em que navegava a caminho da Índia - que fazia parte da frota de Pedro Álvares Cabral, que descobriu o Brasil - ali naufragou.
Cumpriu-se assim, o vaticínio do gigante Adamastor, tal como nos Lusíadas foi descrito.

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N A U F R Á G I O

O vento uiva alto, enfurecido,
Dançando na borrasca gigantesca,
Agitam-se no céu, enegrecido,
Tormentos duma noite que é dantesca.

A chuva, grossa e fria, em catadupas,
Que jorra, sem parar, das nuvens negras,
Alaga, quer os homens, quer chalupas,
Que o mar, enraivecido, atira às pedras.

Os raios, ziguezagues a luzir,
Projectam-se do céu. vindo cair
No alto dos coqueiros, desgrenhados;

E cada voz murmura uma oração,
Pedindo à Santa Virgem protecção
P'ra aqueles pobres homens naufragados.


Vítor Cintra

No livro: AO ACASO

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

EU ESTIVE LÁ!

(Em vez de descanso, ensinar crianças a ler e a escrever)

O texto, que a seguir transcrevo, (tal como a imagem acima) consta do livro ELEFANTE DUNDUM, da autoria de João Luiz Mendes Paulo e dispensa quaisquer considerações adicionais.

"A Companhia de Cavalaria 570 foi um caso único, nos treze anos de guerra no Ultramar. Depois do início dos ataques, foi-lhe atribuída uma zona de acção do tamanho do Algarve, onde se infiltrou um grupo inimigo, comandado por Rui Alberto Mutumula, com a missão de tentar sublevar a Zambézia e ali abrir uma nova frente. Devido às anteriores acções, contacto com populações, acção psicológica e patrulhamentos, o grupo IN não só não conseguiu o apoio das populações, adesão em massa, alimentação e informações, como teve de mudar constantemente de acampamento para não ser localizado. Durante seis meses foi um jogo do gato e do rato: sós, numa zona enorme, um grupo IN e uma companhia de Cavalaria... Até que o grupo de guerrilheiros foi localizado, posto em fuga e capturados todos os meios, do armamento às granadas e explosivos, das bandeiras da FRELIMO aos cartões do partido, relações das populações a aliciar, dinheiro e fotografias do grupo e - com imenso interesse - um «diário de guerra» onde se descreviam as acções feitas e emboscadas que nos fizeram sem disparar «... porque iam todos atentos e com a arma pronta a fazer fogo»...!

Caso único porque mais ninguém entrou no jogo - era a mata, os guerrilheiros e a 570. E caso único porque aqui a paz ganhou à guerra - as acções de paz foram muito mais importantes que a acção militar e perduraram no tempo; até à independência não houve mais «milando» nas terras da Zambézia. Fomos embora mas o fermento da paz ficou para sempre."

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S E R V I Ç O
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Nas terras, bem difíceis, de Conua,
À noite vigiados pela lua,
De dia por montanhas sem picadas,
Andámos, nesses tempos já passados,
Vivendo uma aventura de soldados,
Em busca de guerrilhas emboscadas.
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Saídos duma infância mal cumprida,
Moldada foi, por lá, a nossa vida,
Forçada ao cumprimento de missões;
Mas, sem perder noção do que era justo,
Tentámos conseguir, a todo o custo,
Manter a paz em muitas regiões.
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Por mais que nos critiquem vozes loucas,
Podemos ver agora que bem poucas
Seriam as lições a receber
Daqueles que se julgam mais correctos,
Sem actos de valor que, por concretos,
Demonstrem mais bom senso e mais saber.
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Vítor Cintra
No livro: MEMÓRIAS

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

CONTRA-INSURREIÇÃO EM AFRICA

(Imagem recolhida no blog do Rovuma ao Maputo)

O modo português de fazer a guerra
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John P. Cann, oficial-aviador da Marinha Norte-Americana na reserva, publicou, sob o título em caixa, um livro em que faz uma análise exaustiva à guerra anti-subversiva travada por Portugal, entre 1961 e 1974, nas três frentes de guerra, na Guiné, em Angola e em Moçambique.
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Impressionantemente objectivo na sua análise, multiplica as comparações com outras guerras subversivas travadas contra os Britânicos, contra os Franceses e contra os Americanos, para concluir que "...Portugal foi a primeira potência colonial a chegar a África e a última a sair."
E justifica isso com a capacidade e forma de actuar das tropas portuguesas, cujo desempenho repetidamente destaca, em referências como esta:
"A infantaria portuguesa não só perseguia o inimigo, como também cativava a população. Participava simultaneamente em projectos sociais que elevavam o padrão de vida das pessoas e oferecia uma alternativa tangível às promessas dos insurrectos."
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Vindo de um oficial superior Norte-Americano, doutorado em Estudos de Guerra e com uma folha que inclui serviço, quer no Pentágono, quer no Comando Ibérico da Nato, apreciações como a que acima reproduzo, são uma homenagem. Homenagem que, há muito, Portugal deve aos heróis, que teima em ignorar e cujos restos votou ao abandono. Veja aqui e julgue por si.
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S O M B R A S
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Na morte, o epitáfio que lhes negam
Bem mais que cobardia, é já traição,
Não há real valor no que nos pregam
Sem respeitar os mortos da Nação.
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Nação é mais que a Pátria em que nascemos,
Cultura, só o hino, ou a bandeira;
É um passado. Dele descendemos,
E em todos deixa marca verdadeira.
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Deixar na sombra aqueles que tombaram,
Calando o sacrifício dessas vidas,
Por força de promessas mal cumpridas,
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Branqueia, do saber dos que ficaram,
As causas, ou razões, do sacrifício
De quem não fez a guerra por ofício.
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Vítor Cintra
No livro: RELANCES

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

LAGOA DA ERVEDEIRA

Alguém lhe chamou já, um lugar mágico.

Situada bem dentro do pinhal de Leiria, numa área denominada Mata do Urso, rodeada de solos arenosos, não dista do mar mais de 4 a 5 klms (em linha recta). Esta lagoa, com uma área de espelho de água doce, variando, em função da pluviosidade, entre aproximadamente 12 ha. (em 1995) e 17 ha. (em 2001)*, com cerca 2 klms de praias, consegue fazer a delícia de pescadores desportivos, de praticantes de desportos náuticos e de banhistas, conciliando o descanso dos adultos com o divertimento das crianças e permitindo a convivência e proximidade de uns sem que isso implique a invasão da privacidade de outros. Actividades de educação ambiental, nomeadamente a observação de aves, encontram também nela local privilegiado.

Em resumo, um pedaço de paraíso que o homem ainda não estragou. Esperemos que assim se conserve por muitos anos.

* Fonte de informação CCDR Centro

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E R V E D E I R A
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Calmas águas, verde margem,
Bordejadas por pinhais
Onde, ao sopro duma aragem,
Esvoaçam os pardais.
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Melros cantam alegria,
Desafio de rivais,
Debicando ao fim do dia,
Entre os pés dos milheirais.
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Alguns patos fazem ninhos
Entre verdes caniçais.
O piar dalguns patinhos
Faz grasnar os outros mais.
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E, no fim da tarde calma,
Por sentir desta maneira,
Entrou fundo na minh' alma
Toda a paz da Ervedeira.
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Vítor Cintra
No livro: DIVAGANDO

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Objectores de consciência?...

(Imagem recolhida na internet)

Ao longo da minha vida já vi o bastante para não me surpreender com facilidade. Mas esta campanha dos defensores do SIM à liberalização do aborto, está a revelar-se uma autêntica caixinha de surpresas. Não tanto pela argumentação invocada, mas especialmente pelas figuras que nela vejo perfilarem-se.

Cumpri, já o disse aqui, serviço militar. E, como todos os jovens da minha geração, cumpri, no então ultramar português, uma comissão por imposição que durou cerca de dois anos e meio, dos quais cerca de ano e meio em zona de guerra.

Uma das situações que, então, mais impacto tiveram em nós, os mobilizados prestes a embarcar, foram as deserções dalguns - poucos - ditos "objectores de consciência". Recusavam-se - argumentaram mais tarde, para justificar a deserção - a tirar a vida a outro ser humano.

"Objectores de consciência" sempre me mereceram o maior respeito. E muitas vezes dei comigo a tentar interiorizar a dimensão do drama de alguém que, em conflicto com a sua própria consciência, se vê na necessidade de abandonar tudo e todos para a não violentar.

Surpresa, surpresa, é ver hoje, alguns dos desertores de então, alinhados e em consonância perfeita com os defensores do SIM ao aborto, arengando asneiras a favor da matança dos inocentes. É óbvio que as vidas destes, talvez por não terem armas, como tinham os outros que no ultramar tivemos que enfrentar, não merecem "objecções de consciência".
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O P O S T O S
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São nossos muitos sonhos, que ficaram
Perdidos num passado doloroso;
E vossos são aqueles que criaram
A gula e ambição, por mero gozo.

São nossos os revezes da fortuna,
Que deixam, no viver, amargo pranto;
E vossos os receios que nos una
Fervor, pela nação que amamos tanto.

Mas porque mais distantes somos nós
Da gula que dá corpo à vossa voz,
Tentais criar o caos, pelo terror.

Doutrinas, que não são a nossa fé,
Impedem que a nação fique de pé,
Coberta p'la vergonha e tanta dor.

Vítor Cintra
No livro: ENCRUZILHADA

domingo, fevereiro 04, 2007

CONÍMBRIGA

(Imagem da pagela do Museu Monográfico e Ruínas de Conímbriga)

As evidências arqueológicas revelam que este local terá sido habitado provavelmente desde o século X a.C. até ao século VIII d.C..
Datam da Idade do Bronze os objectos mais antigos ali recolhidos e identificados.
Diz-se que a origem do nome virá da junção de dois vocábulos: "Kon", que na língua nativa significaria "alto pedregoso" e "Briga" que significaria "fortificado". No início não seria, afinal, mais do que uma fortificação idêntica àquelas que hoje designamos por "castro". Com o correr dos séculos, porém, cresceu e, quando os romanos chegaram, na segunda metade do sec. I a.C., Conimbriga era um povoado florescente. Ao apoderarem-se do local, os romanos fizeram de Conímbriga uma verdadeira cidade, próspera, estendendo-a para Norte e Leste, até à baliza traçada pelo vale, que desse lado corre, e que uma muralha reforçaria.
A cidade floresceu social e economicamente. Os seus habitantes integravam a vida política da Lusitânia ao mesmo tempo que criavam e desenvolviam manufacturas e artes e intensificavam a exploração agrícola. Construiram grandes monumentos, residências imponentes, servidas por uma escola de mosaicistas e criaram um centro urbano de características únicas.
No sec. IV d.C., porém, devido ao avanço dos povos do norte da Europa sobre o império romano, a cidade reduziu o seu perímetro, para melhor se defender. Ainda assim não resistiu e, no ano 468 d.C. caiu em poder dos Suevos, tendo sido pilhada e incendiada. Penosamente sobreviveu ainda, vendo diminuir gradualmente a sua importância até ao sec. VIII d.C., altura em que foi definitivamente abandonada.
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C O N T R A S T E
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Nem Roma, nem Cartago, nem Atenas,
Famosas, noutros tempos, por conquistas,
Deixaram seus guerreiros e artistas,
Perdidos em memórias tão pequenas.
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Sabendo que dos deuses vinha a arte,
Conforto quer da alma quer da mente,
Levaram, num fervor bem consciente,
As marcas do saber a toda a parte.
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E, nem quando um império se desfez,
Morreram tais heróis, alguma vez,
Cantados por poetas, ou em lendas;
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Enquanto que, por cá, alguns 'burgueses',
Falando sobre egrégios portugueses,
Vomitam baboseiras, como adendas.
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Vítor Cintra
No livro: RECADOS